Um treinador de longa e bem-sucedida trajetória no futebol brasileiro costuma dizer - desde quando não havia internet - que uma das tarefas mais complexas do trabalho como técnico é “administrar a repercussão das opiniões das pessoas”. Para o bem e para o mal, o que se diz a respeito de jogadores está presente diariamente no ambiente dos clubes, influenciando o que eles pensam sobre si mesmos e alterando desempenhos, quase sempre negativamente. Abel Ferreira, em entrevista recente, abordou o tema com precisão e humanidade. Após mais um gol de Flaco López, tão criticado no ano passado, alertou que o bom momento não faz do atacante argentino “o melhor do mundo” e alertou para o risco dos elogios exagerados aos jovens que começam a se destacar, ponderando que “todos acham que podem ser o Endrick”. Na mesma ocasião, o técnico do Palmeiras tratou da realidade dos jogadores em começo de carreira que já são responsáveis por sustentar suas famílias e têm de aprender a conviver com críticas - justas ou não - sem se deprimirem. “Eles precisam gostar disso aqui”, disse. O “oito ou oitenta” característico do futebol no Brasil, reclamação frequente de Abel com alta dose de razão, é uma dinâmica que treinadores devem dominar por causa da ameaça ao rendimento coletivo de suas equipes, critério pelo qual são julgados e, na maioria dos casos, condenados.

Da mesma forma, as escolhas feitas por técnicos, usando informações que não chegam à opinião pública, estão sujeitas ao exame de quem acompanha futebol com o único propósito de ver seu time vencer. Tite está experimentando uma degustação completa desse cardápio ao começar a montar o Flamengo para 2024, com a questão Pedro/Gabriel Barbosa como o ponto alto da refeição. As vaias a Pedro no momento de sua substituição compulsória contra o Boavista, para dar minutos ao concorrente pela vaga de atacante do time, revelam a forma como uma parcela da torcida enxerga as decisões de Tite. Há os que preferem um, os que preferem o outro e os que preferem, a depender de quem começa jogando, o que está no banco. Há também os que não gostam da escolha por um ou outro, recorrendo ao período, curto, em que Pedro e Gabriel jogaram juntos e o Flamengo funcionou bem como equipe.

Foi em 2022, com Dorival Júnior, cuja relação pessoal com Gabriel é carinhosa a ponto de convencer o astro a aceitar um papel que, hoje se sabe, não lhe agrada. Tite tem ideias diferentes para um sistema que vê em Pedro as características apropriadas para a função. Na noite de terça-feira (20), o 9 não apresentou seu nível habitual e não acompanhou o que pode ser descrito como o jogo mais elogiável do Flamengo na temporada que engatinha. O enredo do pênalti desperdiçado, a substituição por Gabriel logo depois e a maneira como setores do Maracanã responderam à sequência de eventos adicionam um pouco mais de tensão ao tema, que não só é importante para a construção do time no aspecto puramente futebolístico, como determina humores no dia a dia e gera, interna e externamente, opiniões diversas.

Em sua reentrada no futebol de clubes após seis anos de um trabalho muito distinto no que diz respeito às relações entre técnico e jogadores, é provável que Tite não morra de amores por essa dramaturgia diária. É como uma novela em que o treinador é o diretor, mas as cenas se escrevem por conta própria.