Foto: Gilvan de Souza
É possível imaginar, no futuro, um avô lembrando para seu neto, ambos rubro-negros, de como foram para o Flamengo alguns anos da segunda década do século XXI. "Olha, meu neto, que emoção vivemos naquela época. Em, 2018, não teve para ninguém. Como vendemos! Tivemos um desempenho inesquecível na planilha do Excel. Todos nos invejavam, não as taças, mas o nosso balanço financeiro".
Com a confirmação da venda de Lucas Paquetá para o Milan (para onde se transfere em janeiro), estipulada em cerca de 35 milhões de euros, o clube da Gávea recebe uma injeção de aproximadamente R$ 250 milhões apenas em 2018, já que também sacramentou a negociação de Felipe Vizeu e Vinicius Júnior (45 milhões de euros). Essas transações o colocam como um dos principais "vendedores" do Brasil. Um dos motivos da pressa para vender Paquetá seria a multa relativamente baixa para clubes brasileiros, 65 milhões. Elevada, é claro, mas um risco, sobretudo com o Palmeiras sempre à espreita.
Se balanço financeiro valesse título, o capitão rubro-negro estaria tendinite de tanto levantar taças. Em 2017, o Flamengo teve a maior arrecadação entre os clubes brasileiros, R$ 648 milhões, com uma variação positiva de 27% em relação ao ano anterior. Em termos de elenco, segundo o site Transfermakt, a equipe é a mais valiosa do Campeonato Brasileiro, alcançando (antes da venda de Paquetá), 88 milhões de euros.
O problema é que o balanço é aquele jogador muito elogiado pelo treinador pelo seu desempenho sem a bola. Ajuda, mas não decide partidas, nem vence campeonatos. Ou, como diria o saudoso comentarista gaúcho Cláudio Cabral, "sem a bola, eu e o Pelé jogamos a mesma coisa". Se as finanças navegam em águas calmas, mornas e relaxantes na gestão de Eduardo Bandeira de Mello, o que sai do túnel para dentro do campo assume ares de tempestade tropical. Mesmo com um elenco estrelado, mantido e reforçado nos últimos anos, os resultados são decepcionantes. O título mais relevante de Bandeira de Mello é a Copa do Brasil de 2013, ano em que assumiu a presidência.
Em 2018, o Flamengo seguiu a sina de tropeços sul-americanos e viu a Copa do Brasil escapar ao ser amarrado por um modesto e cambaleante Corinthians. Sobra o Brasileiro, competição que o time já liderou, mas na qual hoje está quatro pontos abaixo do líder Palmeiras. Qualquer coisa menor que o título será para a torcida um trincante mergulho no Ártico, devido às expectativas geradas no início da temporada.
Síntoma dos tempos, o Ninho do Urubu produz diamantes, mas sequer tem tempo de lapidá-los, e vê seus valores cruzando o oceano sem conseguirem nem esboçar uma relação de idolatria com a torcida. A ausência de títulos torna ainda mais perceptível a sensação de que o relacionamento foi cortado antes de atingir seus dias de glória.
A saúde financeira, é claro, deve ser comemorada e é um excelente ponto de partida. Mas o caminho completo, visto que o Flamengo não é uma instituição bancária, precisa ter como destino a sala de troféus. Que o clube tenha diminuído sua dívida, ostente a maior arrecadação do futebol brasileiro e, mesmo assim, não alcance o produto final do futebol, que é o título, é uma conta que definitivamente não fecha na calculadora movida a sentimento que bate no peito do rubro-negro.
Título não é ciência exata, uma finalização errada ou um erro de arbitragem pode tirar o troféu de uma equipe. O importante é estar disputando nas cabeças sempre, aí, consequentemente, os titulos virão.