Gabigol e Jorge Jesus se abraçam após título do Flamengo no Carioca de 2020
Imagem: Alexandre Vidal/Flamengo

Jorge Jesus voltou para Portugal e os rubro-negros se dividiram nos sentimentos: uns perdidos em um misto de lamento e gratidão, outros demonstrando mágoa pela saída repentina após a renovação de contrato e a pouca transparência no trato com diretoria e a própria torcida.



Sentimentos legítimos, futebol é essencialmente paixão. E as lágrimas por um treinador que deixa o clube com cinco títulos e quatro derrotas são mais que justificáveis. Mas também exigem uma reflexão, porque ficou bem claro que o Flamengo pode se esforçar para apresentar excelência no departamento de futebol, porém nunca será uma ilha separada do contexto brasileiro.


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Não adianta lamentar a saída do técnico português e achar natural e "parte da nossa cultura" perder três meses do calendário com estaduais. Ou alguém imagina que Jorge Jesus gostou da experiência de enfrentar times que sequer possuem divisão nacional para disputar ao longo do ano?

E por causa desse tempo desperdiçado ele tem que sofrer a cada convocação da seleção brasileira temendo perder jogadores nas datas FIFA porque o futebol não pode parar justamente pela insanidade do calendário. Acham realmente que isso não pesa contra?

Jorge Jesus disse várias vezes que o mundo deveria olhar mais para o campeonato brasileiro. Ele sabe, porém, que o produto não é tão bom assim. Tanto que virou as costas na primeira boa chance. Também pelo nível do futebol jogado, já que ele chegou e em pouco tempo varreu os adversários com impressionante facilidade. Um treinador bom, mas vivendo período de ocaso na carreira e fora do radar do mais alto nível europeu.

Mérito dele e do Flamengo que lhe deu um elenco de bom nível e ótima estrutura. Mas uma enorme vergonha para o país cinco vezes campeão mundial. Do mesmo tamanho dos 7 a 1 no Mineirão. Nossos treinadores foram jogados numa vala comum de incompetência e muitos seguem de lá vomitando ironias e senões contra o português. Novamente achando que não precisam aprender nada.

E muitos aplaudem e arrotam uma arrogância que soa tão absurda quanto achar natural retomar o futebol no meio de uma pandemia com milhares de mortos, sem sinal de achatamento da curva de contágio. Confiando em protocolo que cria uma redoma para os artistas do espetáculo e o resto que se dane. Portugal não é o top do futebol europeu, mas parece bem mais seguro. Tanto que vai sediar as finais da Liga dos Campeões.

O Flamengo vai atrás de outro treinador estrangeiro. Mas os dirigentes sabem que, além de oferecer bom salário e excelentes condições de trabalho, precisam convencer o profissional a vir para um país que aos olhos do mundo não cuida do seu povo. Um obstáculo tão grande quanto as nossas idiossincrasias que fazem do Brasil um centro exportador de jogadores e não mais que isso.

O torcedor hoje tem voz pelas redes sociais para exigir mais das autoridades e evitar que nosso futebol seja tão desprezado pelos profissionais mais competentes. Mas muitos preferem atacar os "mensageiros". O jornalismo que informou antes sobre a saída de Jesus, assunto proibido na Fla TV durante as finais do Carioca.

Ainda que muitos na imprensa também sejam coniventes e até beneficiados pela nociva estrutura federativa do futebol brasileiro, o alvo precisa ser outro. Quem tem a caneta e toma as decisões carrega a maior parte da responsabilidade. Mas muitos são louvados como messias enquanto entregam títulos, suas decisões não podem ser questionadas. Qualquer porém é coisa de "anti", "extrema imprensa". Um sinal dos nossos tempos.



A vida segue. Pior para os flamenguistas sem Jorge Jesus. Os rivais comemoram porque o sarrafo fica mais baixo. Uma espécie de culto à mediocridade. Incompreensível para o mundo, mas outra incoerência muito nossa.

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