Eduardo da Silva: a bucha no Flamengo é com ele | Crédito: Daryan Dornelles
* Colaborou Diogo Dantas
Eduardo da Silva deixou uma cidade assolada pela guerra, na Ucrânia, para jogar no Flamengo, um clube que enfrenta várias batalhas ao mesmo tempo no Brasileiro: o fantasma do rebaixamento, a turbulência interna, a agressividade de membros de torcida organizada e as trapalhadas da própria diretoria. Dessa vez, a direção parece ter dado uma bola dentro ao contratar um atacante discreto, eficiente e doido para vir para seu país, após 15 anos longe.
Para quem, nos últimos meses, se acostumou a ir de casa para os treinos do Shakhtar Donetsk observando as ruas tomadas por barricadas e separatistas munidos de fuzis e máscaras, a guerra rubro-negra é fichinha. “Quando o Campeonato Ucraniano acabou, fui para a Croácia e fiquei sabendo que colocaram fogo numa arena de hóquei. Com essa situação política, não senti segurança. Optei por deixar o time e apareceu a proposta do Flamengo. Era hora de voltar”, diz Eduardo, 31 anos, que, estima-se, ganhará cerca de 450000 reais por mês — metade do que recebia na Ucrânia.
No Maracanã pela primeira vez, Eduardo viu do banco a vitória sobre o Botafogo | Crédito: Gilvan de Souza / Flamengo
A não ser que se contem os seis meses que passou no banco do Ceres — time de Bangu, zona oeste do Rio — quando tinha 12 anos, a experiência de Eduardo da Silva em clubes brasileiros é nenhuma. Nem mesmo o pequeno time suburbano se recordava disso.
Eduardo fez visitas ao clube no ano passado. Winston Soares, supervisor do Ceres, nem se lembrava do jogador. “Ele veio, parou um carrão na porta, se identificou e trouxe um uniforme com o nome dele da época. A gente quase não acreditou.”
Daí até os 15, disputou por três anos seguidos o Campeonato de Favelas pelo Nova Kennedy. No último ano, 1999, foi campeão, artilheiro e melhor jogador da competição, chamando a atenção de olheiros. Foi quando teve que tomar algumas decisões. Deixou de participar de uma semana de testes no Flamengo e de uma apresentação para olheiros cariocas para se submeter a uma espécie de peneira para empresários, alguns deles estrangeiros. Um deles fez o convite: ir jogar no Dínamo Zagreb, da Croácia. Um país no qual o menino, então com 15 anos, encontraria temperaturas baixíssimas e uma língua desconhecida. “Quando uma oportunidade assim aparece, entende, você tem que agarrar”, diz ele, com um português claudicante, resultado de 15 anos na Europa. Não que ele tenha esquecido a língua.
Eduardo só não parece totalmente seguro com ela. Por isso, usa a palavra “entende” como muleta, para ter tempo de pensar no que vai dizer. Eduardo foi sozinho para a Europa. “Senti a solidão, o frio, a dificuldade com a língua.” Aos 18, conheceu a croata Andrea, com quem se casou e teve dois filhos, Lorena, 8 anos, e Matheus, 3. Aos 20, se naturalizou. “Não fiz por interesse, só pensando em ter uma chance na seleção de lá. Minha namorada, que hoje é minha esposa, era croata e eu queria formar uma família.” O sonho de jogar uma Copa também influenciou na decisão. O Brasil acabara de se sagrar pentacampeão com Ronaldo e Ronaldinho no ataque quando Eduardo levou a naturalização à frente. “Todo brasileiro quer seguir seu ídolo na seleção. O meu era o Romário. Só que para você ser chamado naquele momento tinha que estar explodindo em um clube como Real ou Barcelona.”
Começou sua história na seleção da Croácia ainda na base, na equipe sub-21. No time principal, marcou 29 gols — é o segundo maior artilheiro da história da seleção croata. Mas nem tudo foi fácil. Quando seu nome era dado como certo para a Copa de 2006, foi surpreendido pela não convocação. Em 2007, foi vendido para o Arsenal. Sua estrela subiu. Mas, em fevereiro de 2008, uma falta violenta do zagueiro Martin Taylor, do Birmingham City, resultou em fratura exposta da fíbula esquerda. Começava aí o pior momento da carreira do jogador. “Aquilo paralisou minha carreira por um ano. Paralisou minha vida”, diz. E o deixou fora de mais uma Copa do Mundo, a de 2010. Sentiu que a vigilância sobre seu futebol aumentou. “Eu continuei o mesmo jogador, mas você fica marcado. Antes, se eu errava dois passes em dez, as pessoas só reparavam nos oito certos. Depois, passaram a reparar só nos dois errados. A mídia croata, principalmente.”
A fratura exposta da fíbula esquerda no Arsenal | Crédito: Getty Images e Reprodução Tv
Ainda assim, o sonho do atacante se realizou. Este ano, em junho, Eduardo da Silva disputou uma Copa do Mundo. E no Brasil. Reserva, só entrou em uma das três partidas que sua seleção jogou — justamente a única vitória, uma goleada por 4 x 0 sobre Camarões. Mas garante ter sido uma experiência única. Terminada a Copa, se aposentou da seleção. Nos pés, uma lembrança do momento: na hora da entrevista, Eduardo calçava a chuteira da Nike personalizada que usou em campo, com a bandeira do Brasil bordada num dos pés e a da Croácia no outro.
Na seleção da Croácia: segundo maior artilheiro da história | Crédito: Getty Images
“Já fiz minha parte pela Croácia. Jogar a Copa aqui foi uma sensação diferente. Mas me aposentei por causa do calendário brasileiro, que não vai parar durante a Eurocopa”, comenta ele, que parece disposto a permanecer no Brasil em definitivo. “Zagreb é uma cidade bonita. Mas quero continuar a trabalhar com futebol, e não sei se meu estilo se adapta ao de lá. Acho que aqui é meu lugar.”
Vascaíno na infância, Eduardo da Silva chegou a ser sondado pelo cruz-maltino durante a Copa. Ainda na competição, se encontrou com o diretor de futebol do Flamengo, Felipe Ximenes, por intermédio de seu empresário, Eduardo Uram, que tem bom trânsito no Flamengo. “Foi uma opção de vida, ele vai viver o resto da vida dele no Brasil. Achou que se jogasse em um time daqui seria bom, achou que merecia marcar a imagem dele no país dele”, afirma Uram. Quem ajudou na ponte foi o lateral Léo Moura, com quem começou no futebol na Vila Kennedy e que contribuiu para sua contratação passando boas referências. A vontade de atuar no Brasil foi levada à mulher, e Eduardo comprou, no período do Mundial, um apartamento na zona oeste do Rio enquanto acertava a transferência.
A passagem pelo Shakhtar: “Antes [da lesão], se errava dois passes em dez, reparavam nos oito certos. Depois, passaram a reparar só nos dois errados” | Crédito: Getty Images
DO MORRO AO MUNDO
Eduardo da Silva passou seis meses no banco do Ceres | Crédito: Arquivo pessoal
A trajetória de Eduardo da Silva, das peladas da Vila Kennedy à seleção da Croácia
1983
Nasce, em 25 de fevereiro, no subúrbio de Vila Kennedy, no Rio de Janeiro.
1995
Passa seis meses no banco do Ceres, pequeno clube de Bangu, no Rio.
1996
Artilheiro e vencedor do Campeonato de Favelas, pelo Nova Kennedy. Desperta interesse de empresários.
1999
É negociado com o Dínamo Zagreb, da Croácia.
2001
Sobe para o profissional. No ano seguinte, é emprestado para o Inter Zapreši?.
2003
De volta ao Dínamo Zagreb, é eleito por três temporadas consecutivas o melhor jogador do Campeonato Croata.
2004
Estreia pela seleção croata na derrota por 1 x 0 para a Irlanda, em Dublin.
2007
É vendido para o Arsenal.
2008
Em fevereiro, sofre fratura exposta na perna esquerda em uma entrada de Martin Taylor, do Birmingham. Só volta a jogar um ano depois.
2010
Encostado no Arsenal, é vendido para o Shakhtar Donetsk, da Ucrânia.
2014
Participa de sua primeira Copa do Mundo pela Croácia, mas anuncia a aposentadoria da seleção. É o segundo maior artilheiro da história da seleção, com 29 gols. Em seguida, acerta com o Flamengo.
PELADA NA QUEBRADA
Eduardo reunido com a turma da Vila Kennedy | Crédito: Arquivo pessoal
Desde 2009, todo fim de ano Eduardo da Silva promove uma pelada na comunidade em que foi criado, a Vila Kennedy, em Bangu. Nela, apenas os amigos de infância e adolescência, muitos ex-atletas da equipe que conquistou o Campeonato de Favelas de 1996. Um deles, o motoboy Saulo Guerra, 31, participou da mesma peneira para empresários que resultou na ida de Eduardo para o Dínamo Zagreb. Saulo era volante. De todos os participantes, só Eduardo virou jogador profissional.
“Teve um meia de Realengo, o Leandro, que foi com ele para a Croácia, mas voltou depois de alguns meses e acredito que não virou jogador”, lembra. Saulo também tentou ainda por uns meses. Ficou treinando em um campinho mantido por empresários em Campo Grande, mas a oportunidade não pintou. “Tive que trabalhar para sustentar meu filho. Trabalhei em lava-jato, de borracheiro, fiz biscate em obra... Fiz muita coisa. Hoje, sou motoboy”, diz.
Para Saulo, a decisão de Eduardo de ir para a Croácia foi acertada. “Clube aqui no Rio é difícil pra caramba, todo mundo está em busca de um lugar ao sol. Aí tem centenas de garotos sendo testados ao mesmo tempo. Um deles pode ser bom e não estar bem naquele dia, perde a chance. Aquele foi o dia dele, a chance dele. Só não foi no Rio.”
Os dois perderam contato entre 2000 e 2005, quando Eduardo se firmava na Croácia. A partir daí, o amigo famoso o procurou. Não se perderam mais de vista. Um dos encontros mais recentes foi depois da Copa, quando o atacante organizou mais uma de suas peladas na comunidade. “Os flamenguistas podem ficar tranquilos. Ele está em plena forma, eu pude atestar”, afirma Saulo.
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