Jorge Jesus no Beira-Rio Getty Images
Quando chegou ao Benfica, em 2013, Guilherme Siqueira foi chamado por Jorge Jesus para conversar. Na sala do comandante, o brasileiro observou a lousa na parede com várias peças de metal, que o treinador gostava de mexer.
Jesus começou a mostrar ao lateral-esquerdo uma série de situações de jogos e a questioná-lo o que ele faria em cada uma delas, Guilherme pensava bem e tentava impressionar o novo chefe utilizando o conhecimento adquirido nos tempos de Figueirense, Inter de Milão e Udinese.
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Em vão.
"Eu não acertei nenhuma! (risos). A cada resposta que eu dava, ele dizia: 'Não, comigo não é assim. Não faria isso. Não trabalho assim'. Eu pensei: 'Ou eu vou melhorar muito ou eu vou desaprender tudo que sei' (risos). Foi muito engraçado", disse o ex-lateral ao ESPN.com.br.
"Ele ensina um futebol diferente para o atleta, gosta de mostrar outras situações. Eu estava acostumado a me comportar de outra forma. Ele encurta o campo e mostra situações que outros treinadores não têm. Ele me potencializou de uma forma que tive o melhor ano da minha carreira. Ganhamos três títulos, e o nosso plantel, que era bom, virou ótimo."
Quem trabalhou com o Mister diz que sua maior capacidade é extrair o melhor de cada jogador.
"Os vídeos dele após os jogos são muito bacanas. A gente às vezes saía com uma ideia de como foi o jogo, mas ele mostrava uma coisa completamente diferente. Ele faz ponderações que você jamais espera. Aquilo faz o jogador sempre querer estar 100% conectado os 90 minutos de jogo, porque senão você será criticado em um vídeo bem rigoroso (risos)", contou Guilherme Siqueira.
Ninguém consegue se acomodar.
"Siqueira, você está pensando que isso aqui é o Granada?", disse o treinador ao brasileiro (que tinha acabado de sair da pequena equipe espanhola) logo em seu primeiro treino com os Encarnados.
Guilherme Siqueira conta que Jesus tem muita facilidade para fazer a leitura do adversário. Ele mastigava todas as situações e passava tudo bem resumido aos seus jogadores. Para explicar o rigoroso posicionamento, o técnico colocava estacas no campo durante os treinos.
"Isso facilitava muito as nossas vidas. Ele é taticamente um fora de série. O Mister gosta de pressionar a saída do adversário lá em cima. Ele deixa pouco espaço, jogávamos em, no máximo, 40 metros. Qualquer mínima desatenção e você colocava o adversário em condição, algo que não poderia acontecer", contou.
Dedo na cara, não!
O técnico era tão duro nas cobranças que chegou a quase arrumar briga em um treino do Braga, na temporada 2008/09.
"O Jesus discutiu com um brasileiro e apontou o dedo na cara dele. O brasileiro pegou o dedo dele e disse: 'Você pode fazer isso com qualquer outro, mas na minha cara você não vai botar o dedo'. Ele quase quebrou o dedo do Jesus (risos). O brasileiro nunca mais pisou no vestiário e foi até mandado embora depois", contou o lateral Edimar, atualmente no Bragantino, à ESPN.
No ano em que foi comandado por Jesus, Edimar não esquece do jeito peculiar do Mister.
Revolta de lateral, show de goleiro
"Eu fiquei p... com ele num jogo contra o Porto. Eu joguei de ponta esquerda e fiz o gol. O que ele me xingou depois disso (risos). Ele ficou enchendo o meu saco: 'Você nunca jogou num estádio desses? Está assustado?' Eu tinha acabado de fazer o gol! Depois entendi que ele queria extrair algo positivo de mim. Fiz um grande jogo", admite o brasileiro.
Durante a pré-temporada do Braga, o lateral se assustou porque precisava treinar em três períodos por cerca de dez dias.
"Eu me assustei porque era 7h e o Jorge Jesus puxava fila todos os dias para a gente correr 7km! Depois, fazíamos academia por volta das 11h30. E as 17h íamos fazer treino com bola no campo. Era muito exigente. Mas o jogador aguentava ao ano todo. Só você ver como time do Flamengo está voando. Ele tem uma equipe muito boa nessa parte física", disse.
Fora do campo
As exigências de Jesus eram fortes também fora de campo de campo. Seus comandados eram obrigados a comerem todos juntos no Benfica. Eles só poderiam comer quando a última pessoa estivesse sentada para a refeição e só poderiam sair depois que todos tivessem terminado.
Os atletas tinham a obrigação de apertar a mão do técnico - e a de todos os outros funcionários do clube - diariamente. Também precisavam saudar os torcedores no gramado após as partidas.
Extremamente rigoroso com horários, o técnico distribuía multas por atrasos.
"Nosso regulamento interno não permitia que estivéssemos fora de casa depois da meia-noite. Mesmo após as vitórias. Ele tinha tanto cuidado com as ideias dele que nós acabávamos acatando em prol do grupo de jogadores. Ele dizia que descanso também é treino. O Jesus não roda muito o elenco. Se deixar, você joga o ano todo", contou Siqueira.
Grande coração
Apesar disso, o técnico sabe tratar o lado humano dos seus atletas. Dois meses depois de chegar ao Benfica, Guilherme Siqueira sentiu as diferenças nos treinos e teve um problema no púbis. O brasileiro recebia sempre a visita do Mister enquanto fazia as sessões de recuperação.
"Ele vinha saber como eu estava. São detalhes que fazem a diferença porque ele estava preocupado. Ele pediu para eu não ter pressa em voltar, disse que entendia a minha situação de querer mostrar logo serviço, mas que confiava em mim", afirmou o lateral.
Quando chegou em Portugal, Edimar ficou apenas treinando por seis meses, já que não poderia jogar. Ele morava apenas com seu irmão e sentia muita falta da família.
"Um dia, eu cheguei para ele e pedi: ‘Professor, posso ir ao Brasil?’ Ele me liberou por uma semana. É um cara muito duro, mas que, fora de campo, tem um coração muito grande", contou.
Conhece tudo de Brasil
Sucesso no Flamengo, o técnico tinha uma relação bem antiga com o Brasil.
"Ele sempre teve muitos jogadores brasileiros e gosta muito da gente. Durante o café da manhã, ele vinha comentar conosco a rodada do Campeonato Brasileiro", contou Siqueira.
"O Jesus via da 1ª até a 4ª divisão! Fica o dia todo vendo as partidas em casa. Ele nos considera os melhores do mundo. Ele tinha esse desejo de vir trabalhar aqui", finalizou Edimar.
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